H@ VIDA DEPOIS DOS 40

...com pensamento, opinião e poesia em doses homeopáticas...

sábado, 26 de novembro de 2005

levantar âncoras

o vento me convida
a abandonar o cais
e em remadas fortes
rumando o alto mar
o continente se apequena
e uma paz serena
balança sem cessar
fecho meus olhos
esqueço tudo
só faço navegar

quarta-feira, 23 de novembro de 2005

impasse decisivo

Daquela vez não ia esperar qualquer opinião alheia. Pelo menos uma vez na vida deveria ser capaz de decidir alguma coisa sem ajuda. Era uma escolha simples, ou não?! Bem, não adiantava divagar mais. O relógio ia despertar e então já não haveria mais tempo... O gato ronronou ao lado da cama e abriu desmesuradamente a boca na sua preguiça felina! Sua cauda roçava o braço caído e ameaçava antecipar o serviço do despertador. Uma urgência inadiável reclamava pronta decisão. Mas o impasse persistia. Sabe quando tudo gira obsessivamente em torno de uma única idéia e ao mesmo tempo um torpor gigantesco toma conta?! Era o que acontecia. Quanto maior o esforço para a tomada de posição, maior também era a prostração e o desconforto. Uma pessoa tensa e trêmula, deitada ao lado de outra que em sua cálida nudez, dormia um sono profundo e isento de censuras. Não deixava de ser uma cena intrigante. Bela, diáfana e desconcertante. O gato abandonou o quarto para estatelar-se novamente sonolento numa das poltronas da sala. Mas o relógio ameaçava despertar e estragar tudo. Não, dessa vez não... ninguém ia estragar aquele momento e o prazer que ali usufruia. Decidiu atabalhoadamente. Levantou-se de forma sorrateira e com um riso maroto e quase infantil estampado, - travou o despertador, tirou toda a roupa e mergulhou sob as cobertas. Trabalho, escola, banco, academia? Esquece... se ajeita isso depois.

terça-feira, 22 de novembro de 2005

plastificado

com tintas e destempero
flui a mágoa destilada
decifrem as sua dores
não se esforcem - nem precisa...
é só um coração de isopor
e a minha mente de plástico
furada a bolha que sangra
bebido o asco leviano
dos afetos desprezados
baixa a guarda
cai o pano
guarda a seta na aljava
neste final melancólico
os aplausos viram vaias
nas vidas que continuam
basta secarem as lágrimas

domingo, 20 de novembro de 2005

vácuo

lavrar poesia crua
desnudada de temperos
fluindo em palavras livres
sentidas e ressentidas
desdenhe um olhar carente
e abraços reticentes
que não consumam fusões
fazendo dois seres serem
um despojado ninguém
com doçuras escondidas
e ternuras esboçadas
porém jamais proclamadas
no silêncio que as retêm
na expressão contundente
proferida de repente
calada quando convém

quinta-feira, 17 de novembro de 2005

sonho acordado

Quisera voar e enxergar os campos livremente. Sobrevoar os montes, flutuar por sobre as correntezas. Queria concluir um a um os atos mais corriqueiros do viver. Cumprimentar, sorrir, dizer coisas simples e sem censuras. Porque então sinto truncado o meu agir?! Por que não digo o que penso? Por que calo o que há de melhor em mim?! Vítima do silêncio ou, quem sabe, apenas fugindo da mediocridade das minhas palavras. Por um momento quero ser um verbo. Tento e exprimo apenas a sua forma passiva. Fecho os olhos, cerro os lábios... adormeço. Volto ao começo de tudo e sonho um sonho que não cessa. Por uma noite tornei-me sonhador. Quando acordar não sei de mim. A vida é mesmo assim? Ou tudo não passa de um sonho?!

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

tambores

naqueles dias de medo
me disfarço em ousadia
fingindo não ter segredos
faço da noite o meu dia


Outro dia eu olhava pela janela descuidado quando, repentinamente, um inseto alado penetrou meu ouvido. Num reflexo estapeei-me produzindo um estampido. Ninguém ouviu, mas aqui dentro de mim, alguma coisa mudou... Eu mudei! Não dava, no entanto, pra filosofar com um corpo estranho e farfalhante se remexendo próximo aos meus tímpanos. Corri até a farmácia e mais com sinais do que com palavras apontei minha orelha direita enquanto gemia de medo e dor... Uma pinça e boa dose de paciência e o atendente retirou o incômodo corpo matado num pé-de-ouvido. Sorri como quem tivesse superado uma bobagem. Mas não. Era algo maior. Sobreveio a morte ao pensamento. Um estampido, um inseto - uma bala perdida, um gemido. O que teria sido de mim?! Olhei de novo pela janela... mas já não readquiri aquele olhar descuidado!...

terça-feira, 8 de novembro de 2005

é hoje

não sei do amanhã
e vou tentando programá-lo
o futuro é um fog iluminado
que comporta algumas sombras
estou num lugar chamado hoje
só conheço o caminho do passado
e houveram alguns passos mal dados
mas creio que acertei a maior parte
ou aqui não estaria
não seria e nem veria
mas é hoje e aqui estou