...com pensamento, opinião e poesia em doses homeopáticas...
sábado, 26 de novembro de 2005
levantar âncoras
o vento me convida a abandonar o cais e em remadas fortes rumando o alto mar o continente se apequena e uma paz serena balança sem cessar fecho meus olhos esqueço tudo só faço navegar
Daquela vez não ia esperar qualquer opinião alheia. Pelo menos uma vez na vida deveria ser capaz de decidir alguma coisa sem ajuda. Era uma escolha simples, ou não?! Bem, não adiantava divagar mais. O relógio ia despertar e então já não haveria mais tempo... O gato ronronou ao lado da cama e abriu desmesuradamente a boca na sua preguiça felina! Sua cauda roçava o braço caído e ameaçava antecipar o serviço do despertador. Uma urgência inadiável reclamava pronta decisão. Mas o impasse persistia. Sabe quando tudo gira obsessivamente em torno de uma única idéia e ao mesmo tempo um torpor gigantesco toma conta?! Era o que acontecia. Quanto maior o esforço para a tomada de posição, maior também era a prostração e o desconforto. Uma pessoa tensa e trêmula, deitada ao lado de outra que em sua cálida nudez, dormia um sono profundo e isento de censuras. Não deixava de ser uma cena intrigante. Bela, diáfana e desconcertante. O gato abandonou o quarto para estatelar-se novamente sonolento numa das poltronas da sala. Mas o relógio ameaçava despertar e estragar tudo. Não, dessa vez não... ninguém ia estragar aquele momento e o prazer que ali usufruia. Decidiu atabalhoadamente. Levantou-se de forma sorrateira e com um riso maroto e quase infantil estampado, - travou o despertador, tirou toda a roupa e mergulhou sob as cobertas. Trabalho, escola, banco, academia? Esquece... se ajeita isso depois.
com tintas e destempero flui a mágoa destilada decifrem as sua dores não se esforcem - nem precisa... é só um coração de isopor e a minha mente de plástico furada a bolha que sangra bebido o asco leviano dos afetos desprezados baixa a guarda cai o pano guarda a seta na aljava neste final melancólico os aplausos viram vaias nas vidas que continuam basta secarem as lágrimas
lavrar poesia crua desnudada de temperos fluindo em palavras livres sentidas e ressentidas desdenhe um olhar carente e abraços reticentes que não consumam fusões fazendo dois seres serem um despojado ninguém com doçuras escondidas e ternuras esboçadas porém jamais proclamadas no silêncio que as retêm na expressão contundente proferida de repente calada quando convém
Quisera voar e enxergar os campos livremente. Sobrevoar os montes, flutuar por sobre as correntezas. Queria concluir um a um os atos mais corriqueiros do viver. Cumprimentar, sorrir, dizer coisas simples e sem censuras. Porque então sinto truncado o meu agir?! Por que não digo o que penso? Por que calo o que há de melhor em mim?! Vítima do silêncio ou, quem sabe, apenas fugindo da mediocridade das minhas palavras. Por um momento quero ser um verbo. Tento e exprimo apenas a sua forma passiva. Fecho os olhos, cerro os lábios... adormeço. Volto ao começo de tudo e sonho um sonho que não cessa. Por uma noite tornei-me sonhador. Quando acordar não sei de mim. A vida é mesmo assim? Ou tudo não passa de um sonho?!
naqueles dias de medo me disfarço em ousadia fingindo não ter segredos faço da noite o meu dia
Outro dia eu olhava pela janela descuidado quando, repentinamente, um inseto alado penetrou meu ouvido. Num reflexo estapeei-me produzindo um estampido. Ninguém ouviu, mas aqui dentro de mim, alguma coisa mudou... Eu mudei! Não dava, no entanto, pra filosofar com um corpo estranho e farfalhante se remexendo próximo aos meus tímpanos. Corri até a farmácia e mais com sinais do que com palavras apontei minha orelha direita enquanto gemia de medo e dor... Uma pinça e boa dose de paciência e o atendente retirou o incômodo corpo matado num pé-de-ouvido. Sorri como quem tivesse superado uma bobagem. Mas não. Era algo maior. Sobreveio a morte ao pensamento. Um estampido, um inseto - uma bala perdida, um gemido. O que teria sido de mim?! Olhei de novo pela janela... mas já não readquiri aquele olhar descuidado!...
não sei do amanhã e vou tentando programá-lo o futuro é um fog iluminado que comporta algumas sombras estou num lugar chamado hoje só conheço o caminho do passado e houveram alguns passos mal dados mas creio que acertei a maior parte ou aqui não estaria não seria e nem veria mas é hoje e aqui estou