...com pensamento, opinião e poesia em doses homeopáticas...
quinta-feira, 25 de outubro de 2007
garoa
chove com insistência num derrame de gotas modorrentas e as folhas molhadas espargem brilhos ao redor todos os sentidos preguiçosos trabalham à meia luz cheiros, sons e paladares brotam da terra em cio fazendo um torpor vazio emudecer os meus ais...
Relacionamentos são variáveis como os estados da matéria. O que difere é que geralmente os idealizamos como paixão que é fusão incandescente e contínua. Mas como estamos sujeitos ao clima e às condições do ambiente – se ao invés de esquentar, esfria – podemos ter uma solidificação que cristaliza os corpos antes da fusão, causando extrema frustração. Existe ainda o risco da evaporação quando os sentimentos são muito líquidos e demasiadamente expostos às suas chamas, fazendo ruir todo aquele assombro inicial. Riscos menores correm a paixão domada que podemos chamar de amor ou a amizade que é o amor imune da paixão desordenada. Mas estar vivo é correr riscos e é melhor dar a cara pra bater correndo esses riscos do que se camuflar para não sofrer e assim tampouco viver a vida em toda a intensidade de seu colorido...
acordei de algum sonho tantos dias se passaram se aqui o tempo engrena mais ali também engana distorcida no espelho minha imagem espartana barba cabelo e bigode omissos e alquebrados nem levantem suas vozes pois meus tímpanos atrozes já não reverberam mais vivo mudo de silêncio encrespando minhas ondas invadindo mil terrenos nas fantasias dos anos se vislumbro o crepúsculo não reteso nenhum músculo nenhuma coisa me espanta o tempo escoa e não pára tem começo meio e fim a vida é simples assim...
as palavras são faíscas incendeiam, tiram lascas servem para desvendar ou recobrem feito cascas falam de tudo o que há no peito, alma e na mente daquilo que circunscreve das coisas que vão surgir acontecimentos passados e mesmo das fantasias mas quando a palavra cala dá-se à luz a poesia
PS.: texto antigo, de 15/07/2004, postado lá no semi-abandonado "Verso & Prosa"
meu desvelo tem a lógica quebrada da penumbra em sombra e luz roubada do teu olhar sempre altivo e lisongeiro às vezes contemplativo que me enfoca ou me sufoca não sei o que vem primeiro mas conservo este brilho no sótão do meu porão no sonho e na fantasia nas estrelas do meu chão
resseca a tez à insensatez do sol neste relento a seca do rebento sido no passado que ainda camuflado segue sendo e que um dia no futuro mais longínquo contrário ao seu destino anseia com afinco de novo ser menino...
a mistura exótica de tristeza e alegria de estranhos sorrisos enquanto chora em tangos o bandoneon na penumbra um par desliza em movimentos ora suaves ora bruscos trocando rubros olhares lúbricos calientes parece ocasional mas é fatal que desse encontro de aparência lúdica a dor e o fardo do existir mergulhe a ambos no elixir amargo da volúpia agredindo o espaço o corpo e seu regaço até o seu ocaso no final da noite quando ao lusco fusco do raiar o dia algo começa algo termina tudo porfia...
a garotinha sardenta de olhar suplicante tão pequena parecia disfarçar soluços proibidos quisera um instante a embalar e aconchegá-la com ternura mas reservada e distante pela desconfiança ou medo renegava aproximações sequer algum trocado ausente e solitária impermeável a qualquer afeto jamais sorria... dias depois uma sirene alucinada da ambulância que levava o corpo inerte da criança que fora atropelada ali na sua esquina de todo abandonada e só uma menina
Pão nosso Que hoje nos sacia Fruto do labor De todo dia Alimente a vida Corpo e alma Em todas as porfias Nos ilumine o olhar E nos permita ver Além das aparências Desperte a gratidão Por todas as coisas belas Grandes e pequenas Deste dia E nos ajude a ser Fermentos de alegria A vos agradecer Pai Nosso...
Ps. Esta pequena poesia em formato de oração nasceu inspirada pela convocação da Loba para conhecer e participar do criativo projeto Pão & Poesia do poeta mineiro Diovvani Mendonça.